Nos últimos anos, as startups nacionais e globais vêm captando números recordes de investimentos. Só no primeiro semestre de 2021, o Crunchbase estima que cerca de 288 bilhões de dólares foram investidos em startups pelo mundo - o que representa alta de 61% sobre o último recorde investidos no segundo semestre de 2020.
Com esse boom de investimentos, tem sido cada vez mais frequente ouvir de investidores sobre a decepção, consigo mesmos, de não terem tomado a decisão de investimento em empresas de grande valorização. Ao longo desses últimos anos, tenho tido várias conversas com investidores de todos os tipos, angels, early stage, growth capital, private equity e estratégicos, e parece que a aceleração do número de empresas que demonstram crescimento exponencial tem vindo junto a uma crescente frustração por oportunidades perdidas.
Um dos melhores exemplos da ressaca de deixar passar bons deals ouvi em um podcast, o Invest Like the Best do Patrick O’Shaughnessy. No episódio 230, John Harris, do Sequoia Fund, falou que esses casos são piores do que aqueles em que há perdas, pois geralmente essas são assimiláveis. Já os pecados de omissão (aka os bons deals deixados passar) o investidor convive e acompanha durante muito tempo.
Os motivos são os mais diversos
As razões pelas quais alguns investidores ficam de fora de deals transformadores variam muito, mas em geral estão associadas a divergências em valuation e condições contratuais, isso quando a empresa não é descartada já em um dos primeiros filtros.
A análise post-mortem dessas decisões parece render poucos frutos, pois as ferramentas de avaliação não são tão diferentes entre os investidores, mesmo considerando mandatos muito distintos.
Será que o remédio é passar para o próximo e esperar ter um pouco mais de sorte da próxima vez? Ao olharmos as principais dimensões de avaliação, será que podemos encontrar fatores que devem ser estudados com maior cuidado?
Priorizar empresas que ocupam posições de vantagem em relação a tendências transformadoras é uma estratégia bem conhecida e eficaz. Mas, abaixo da superfície, as diferenças e nuances variam tanto que é muito difícil avaliar qual empresa de fato está em uma posição para aproveitar tailwinds. Por outro lado, os playbooks de investidores privilegiam em geral aquelas características que, encontradas em empresas de sucesso do Vale do Silício, são bons marcadores do potencial de sucesso.
Contudo, há muitos exemplos de casos que desafiam o típico playbook
O que dizer da ATTA, TradersClub (TC) e Mercado Bitcoin?
ATTA foi um spin-off de uma companhia existente que com os fundadores, investidores smart money e a Fisher Venture Building, teve rápida trajetória e foi vendida recentemente para o unicórnio QuintoAndar.
O TC teve uma trajetória bootstrap e sua primeira operação relevante de mercado de capitais foi o IPO.
Já o Mercado Bitcoin, também bootstrap, realizou sua Series A e Series B com quatro meses de intervalo e pulou direto para o status de unicórnio com um valuation de U$ 2,1 Bilhões, preferindo não abrir capital na B3.
Empresas bootstrap, sem histórico com mercado de capitais, com captable “não ideal”, com modelos de negócio sem comparável direto no exterior ou que ainda não acertaram o modelo de crescimento de receita, têm grandes chances de serem descartadas. Volta e meia, no entanto, vemos essas “jabuticabas” se afastando dos arquétipos ideais e tendo sucesso, mostrando que a extrapolação dos casos de sucesso está longe de ser critério suficiente.
Se perguntarmos aos empreendedores e investidores que tiveram trajetórias de sucesso, vamos ouvir que sorte conta, mas que essa é apenas uma parte da história. O que parece ser elemento comum é o valor atribuído à dimensão muito discutida de pessoas e como essas se comportam ao abordar um dos itens mais desafiadores de qualquer transação: o valuation.
Empreendedores X Investidores
No embate entre a convicção dos empreendedores e a postura necessariamente mais defensiva dos investidores muito valor é perdido. Genericamente, empreendedores tem dificuldade em reconhecer as limitações de mandato e ponto de vista dos investidores, e estes por sua vez dão muita ênfase a proteção do capital e a análise “fundamentalista” e esquecem que nada realmente transformador acontece por processos de certeza.
Neste espaço, seria difícil abordar todos os detalhes que compõem os principais fatores em jogo nas negociações, mas a comunicação e a construção do relacionamento entre empreendedores e investidores é talvez o elemento isolado mais importante: boa parte das operações que dão certo resultam de um investimento grande em relacionamento e não é raro que amizades surjam ou se consolidem neste processo.
Neste sentido, o valuation passa a ser ferramenta para construção do equity story da companhia e da tese do investidor, e não somente uma medida quantitativa que expressa uma negociação com lógica de soma zero. Em outras palavras, o objetivo e o valor da realização em conjunto têm que superar a negociação de partida.
Como empreendedores podem manobrar nesse mercado, aproveitando o FOMO de maneira não oportunista vai ficar para um segundo artigo.